DOAÇÃO FEMININA

Era chegado o momento de construir o Tabernáculo. Após ter ouvido as longas instruções diretamente do Criador, Moisés reuniu o povo para pedir as contribuições necessárias à execução da tarefa. Os principais materiais que deveriam ser utilizados eram o ouro, a prata, o bronze, pedras preciosas, madeiras e tecidos nobres, couro e lã. A Parashá descreve longamente quais materiais ofertados e quem os trouxe. O empenho do povo foi tamanho que Moshé, em determinado momento, ordenou-lhes que parassem de trazer suas doações, pois já possuíam o suficiente. Dentre as várias doações e os doadores, há uma peculiaridade no que diz respeito à doação feita pelas mulheres. Em dois diferentes lugares, a Tora relata especificamente o donativo feminino: “E todas as mulheres sábias de coração fiavam com as suas mãos, e traziam o que tinham fiado em lã azul, púrpura, carmesim e linho fino. E todas as mulheres, cujo coração as moveu em habilidade fiavam nos próprios pêlos das cabras” (Ex, Cap. XXXV, v. 25-26) e “da pia poliram também os espelhos, junto aos quais reuniam-se as mulheres para servir à porta da tenda da congregação.” (Ex, Cap. XXXVIII, v. 8) Conforme os versículos citados acima, foram duas as doações especiais das mulheres: os fios tramados e os espelhos de cobre. Tais oferendas, aparentemente simples, escondiam em si um profundo significado e, para entendê-lo melhor, analisaremos o texto bíblico: A primeira citação fala sobre a fabricação do tecido a partir dos fios de lã de cabra, que, literalmente, está expressa no Ex, Cap. XXXV, v. 25-26. 17:57 18:49 Como seria difícil “fiar as cabras”, foi subentendido que as moças “fiavam os pêlos das cabras”. Porém, fiéis ao texto bíblico, nossos sábios ensinaram que as mulheres do deserto tinham grande sabedoria e habilidade nesta arte e conseguiam fiar o pêlo das cabras estando a lã ainda presa à pele do animal. Somente após tramarem os fios numa tessitura, esta era cortada e doada ao Santuário. Por isso, o versículo enfatiza que elas “fiavam as cabras”. Os espelhos – a outra oferenda – causaram um dilema moral a Moisés. O Midrash Tanchumá (Parashá Pekudei – cap. 9) nos conta que, quando o líder recebeu os espelhos de cobre para fazer com eles o lavatório, não quis aceitá-los. Ele alegou que aqueles espelhos seriam usados para fins fúteis, não sendo, pois, apropriados para uma tão nobre ação, como a construção do Tabernáculo. Deus ponderou para Moisés que os espelhos haviam sido fundamentais para a continuidade do povo judeu, pois, durante os anos de escravidão no Egito, quando os homens estavam sob opressão faraônica, as mulheres usavam esses mesmos espelhos para se enfeitarem e seduzir seus exaustos maridos, pois, dessa forma, , não cessaria a procriação dos hebreus (fato que incomodava profundamente o faraó, pois não suportava ver o crescimento da população de escravos). Por fim, o próprio Criador ordenou a Moisés: “Receba delas os espelhos e use-os para fazer o lavatório de purificação e santificação dos sacerdotes”. Os dois presentes femininos tinham como denominador comum a premissa básica da manutenção da vida e dos seres criados por D’us. O Tabernáculo foi o primeiro exemplo de uma construção comunitária. Lá os judeus teriam suas atividades religiosas e fariam reuniões para estudar. Durante aproximadamente 1400 anos de existência – o Tabernáculo e os dois Templos-o Tabernáculo se manteve como uma referência do povo judeu. Mesmo em nossos dias, após quase 2000 anos da última destruição, continuamos a nos lamentar pela ausência daquela edificação sagrada. Ainda rezamos direcionados para lá. Visitamos constantemente suas expressivas ruínas. As pedras ainda estão “vivas”. O Kotel (Muro das Lamentações) ainda mantém sua santidade. Ao construir uma nova instituição, os líderes comunitários costumam dizer ser “fácil” arrecadar recursos para os “tijolos”. Porém, difícil é manter seu funcionamento no dia-a-dia. Para tal, é necessário ter sempre pessoas envolvidas dedicando seu tempo, sua contribuição e sua vida para que os tijolos permanecessem “vivos”.


BENEVOLÊNCIA

“Estas são as contas do Tabernáculo, o Tabernáculo do Testemunho...” (Ex, Cap. XXXVIII, v. 21)

Com esse versículo a Torá inicia a última parashá do Êxodo e resume a contabilidade de tudo que fora usado para a construção do Tabernáculo. O texto bíblico atribuiu ao Tabernáculo o epíteto “Tabernáculo do Testemunho”, despertando, dessa forma, o questionamento natural: testemunho do quê? Entre os vários comentaristas que tentaram elucidar esta pergunta, Rashi nos traz uma explicação inusitada: “Testemunho de que Deus fora benevolente com o povo de Israel após o pecado do bezerro de ouro, fazendo pairar Sua glória sobre eles.” Conforme explicado na parashá Ki Tissá, o pecado do bezerro foi considerado o momento de maior afastamento do povo em relação ao Criador. Esse ato representou a antítese da fé no Deus único. A traição em sua forma mais grave. Atitude de difícil perdão entre os seres humanos. Porém, o Misericordioso pediu para que construíssem o Tabernáculo e, pela dedicação demonstrada, o povo obteve a reparação parcial por aquele erro. Rashi chamou este ato “benevolência” Divina e não “perdão” Divino, pois perdoamos algo quando alguém pede desculpas e se arrepende do que fez. Porém, ser benevolente vai além deste conceito. Somos benevolentes e compreensivos quando alguém ainda mantém uma atitude que é hostil ou incômoda, mas, mesmo assim, aceitamos outra opinião para conviver com essa pessoa. O pecado do bezerro de ouro fez decair o nível moral do povo, cujas conseqüências são sentidas até os nossos dias. Os sábios talmudistas afirmam que todos os deslizes cometidos no mundo até hoje contêm uma pequena parcela daquele pecado (Talmud Bavli – tratado San’hedrin 102a). É possível aceitar essa afirmação se compreendermos que a vontade do povo naquele momento era afastar-se das amarras morais ditadas no monte Sinai, pois, ao trocar Deus por um bezerro inanimado, aliviariam de si a cobrança por um comportamento correto e coerente. Sendo assim, sempre que um ser humano se afasta das regras ditadas pelo Criador, de certa forma evoca o bezerro de ouro, aquele que não exige regras nem comprometimento moral. Já que esse comportamento rebelde e teimoso ainda persistia entre os judeus, a atitude de Deus em relação a seus filhos não fora somente perdoar, mas aceitar e, assim, manter o povo mesmo com seus atuais defeitos. O Tabernáculo passaria a ser, a partir de então, o centro do acampamento e, por esse motivo, era imperativo que representasse justamente um testemunho da benevolência de Deus para com seu povo. Acampar durante vários anos de deserto significava conviver dia e noite com diferentes vizinhos, com diferentes opiniões e pensamentos. Caminhar juntos, estacionar juntos, comer lado a lado e conviver intensamente com pessoas de hábitos e comportamentos distintos, com certeza, teria gerado vários incômodos e atritos. Para amenizar esses conflitos e manter a união do povo, fora escolhido o Tabernáculo. Esse testemunho da benevolência do Criador permaneceria eternamente como o centro do acampamento. E sempre que os conflitos viessem à tona, bastaria olhar para o santuário e lembrar de que Deus fora paciente e benevolente com os defeitos, ainda presentes, do povo. Essa lembrança os levaria a também ser benevolentes e compreensivos com os defeitos do próximo. Nossos sábios explicam que o fato de o homem ter sido criado à semelhança Divina, implica a necessidade do ser humano de tentar imitar seu Criador nas boas qualidades a Ele atribuídas na Torá. “Da mesma forma que Ele é piedoso, seja você também piedoso. Da mesma forma que Ele é misericordioso seja você também misericordioso...” (Mechilta 3ª porção) Concluímos a partir da explicação de Rashi que um santuário inteiro fora erguido como testemunho de uma única característica. Aquela que ajudaria no convívio social vital para as nações. Aquela que manteria unidos os casais, as famílias e o povo. É essa benevolência Divina, a que também devemos tentar imitar.


Pr. Alexandre Augusto 
Quadrangular - Itajubá/MG 
pastoralexandreaugusto@bol.com.br

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